domingo, 17 de agosto de 2008

Transferência da Família Real para o Brasil (I)

Contextualizemos, pois, a transferência da Família Real portuguesa para sua maior colônia para entendermos os motivos que a levaram a sair de Lisboa e instalar, no Rio de Janeiro, a nova capital do Império Português.

A Europa, no início do século XIX, se vê em estado de crise: Napoleão, rompendo tratados de Paz previamente instituídos, inicia uma série de invasões a países vizinhos, iniciando uma fase de expansionismo francês, através das Guerras Napoleônicas. Para estabelecer um comércio monopolista e para quebrar economicamente sua principal rival, a Inglaterra, Napoleão decreta, no ano de 1806, o Bloqueio Continental, impedindo países sob seu controle de fazer comércio com os ingleses, o que impediria a Inglaterra de escoar sua produção. Portugal, que se mantinha neutra, recebeu, em 1807, um ultimato de Napoleão para que se tornasse adepta do Bloqueio, senão seria invadida por tropas francesas. Não sendo isso suficiente, também a Inglaterra expele um ultimato a Dom João, príncipe regente português, dizendo que, se aderissem ao Bloqueio, seriam os ingleses que os invadiriam. Portugal se vê encurralada. Mas, para salvação de Portugal, os ingleses oferecem, às costas de Napoleão, um trato: Portugal não aceitaria o Bloqueio e navios ingleses (15) transfeririam a Família Real para o Brasil, abasteceriam o mercado brasileiro, como era feito com Portugal, e montariam uma comissão em Lisboa para manter D. João informado. Dom João, então, assina o Tratado Secreto em maio/junho de 1807, mas se recusa a sair imediatamente, com o intuito de fazer os preparativos para a viagem: recuperar 55 navios, que levariam obras de arte, mais de 60 mil livros da biblioteca particular de D. João, documentos de Estado, uma prensa e diversas coleções reais, além de milhares de nobres.

Ao contrário do que era dito na época, a transferência da Família Real não era de caráter provisório/temporário. Se o fosse, Dom João não teria tanta preocupação em preparar os detalhes da viagem sob o risco de invasão francesa. Na verdade, já era um plano da Corte Portuguesa se estabelecer no Brasil desde o século XVI: Napoleão e seu ultimato foram apenas a "gota d'água".
Fatores que indicam o caráter permanente da transferência:
  1. planos de recuperação econômica (de Portugal, que estava com a economia em declínio);
  2. afastamento de revoluções e guerras européias, que expandiam ideais liberais e anti-absolutistas (ideais da Rev. Francesa e do Código de Napoleão);
  3. preservação do Absolutismo em detrimento das novas Repúblicas que surgiam;
  4. fim das ameaças de invasão espanholas (a Espanha afirmava que Portugal era território espanhol e devia ser reintegrado, fazendo a União Ibérica, tão sonhada);
  5. e expansão sobre territórios coloniais espanhóis na América.
Todos esses fatores capacitariam a criação do "VASTO IMPÉRIO LUSO-BRASILEIRO", tão idealizado pela Coroa durante os séculos anteriores.

A viagem deu-se de maneira tranqüila, no início. Até que duas tempestades abateram os 70 navios da comitiva, sendo que a segunda tempestade dividiu-os em dois grupos: o maior deles continuou na rota para o Rio de Janeiro, o segundo grupo perdeu o rumo e decidiu aportar no porto mais próximo, que era Salvador. Nesse segundo grupo estava o navio que transportava todos os possíveis governantes do Brasil (D. Maria, a Louca; D. João e todos os ligados diretamente a eles). Viajavam todos juntos caso a frota fosse atacada, para que pudessem escapar mais rapidamente.

Aportando no dia 22 de janeiro, em Salvador, D. João concedeu, pessoalmente, audiências para ouvir pedidos e reclamações da população de Salvador (para mostrar-se acolhedor e prestativo como príncipe regente e fazer a população simpatizar com seu governante). Nessas audiências, realizou a venda de títulos de nobreza para grandes comerciantes/fazendeiros. Dias depois, com a Carta Régia, Dom João declara a Abertura dos Portos brasileiros às nações amigas (no caso, a Inglaterra), o que definitivamente pôs abaixo o Pacto Colonial, prejudicando os reinóis (comerciantes monopolistas portugueses) e beneficiando as elites agrárias brasileiras, agora com liberdade de comércio.

Dia 3 de fevereiro, a comitiva de D. João se encontra, no porto do Rio de Janeiro, com o resto da frota que tinha saído de Portugal, que ainda o estava esperando para poder desembarcar. A cidade do Rio tinha sido preparada para receber a Família Real, mas não a quantidade gigantesca de nobres que a acompanhavam. O governador-geral da cidade mandou que os casarões fossem desocupados, afixando uma placa nas portas da casa com os dizeres PR (Príncipe Regente). Avacalhador como ainda é hoje, o povo do Rio logo lia nas letras PR "ponha-se na Rua".

Estabelecendo no Rio a capital do "Vasto-Império", Dom João planejou a construção da infra-estrutura da capital: mandou construir prédios, pavimentar e iluminar as ruas, estabeleceu Ministérios e instituições públicas do Estado português, revogou o Alvará de 1785, que proibia a construção de manufaturas na colônia, criou e armou o Ministério da Defesa com fábricas de armamento e munição, estimulou a produção de produtos exportáveis (que passaram de 26 para 132), mandou criar o Jardim (Horto) Botânico do Rio de Janeiro, com o intuito de aclimatar espécies trazidas da Europa para consumo interno e exportação, entre outros.

Uma outra medida tomada por Dom João foi a criação do Banco do Brasil, que operava, especialmente, a conversão de moeda estrangeira (libra) e a cunhagem de moedas (outro fator que indica o caráter permanente da vinda para o Brasil). Em 1821, ao voltar para Portugal, Dom João esvaziou as reservas do Banco do Brasil, levando-o a falência e ao fechamento. Várias tentativas foram feitas de recuperar o Banco mas apenas com o Visconde de Mauá, o BB ficou popular e mais abrangente. Decaindo a era Mauá, o banco novamente faliu, sendo assumido pelo governo e nunca mais falindo.

Em 1810 são assinados os tratados de Paz, Aliança, Comércio e Navegação (tratados de 1810) com a Inglaterra, favorecendo-a no sentido de que as taxas alfandegárias cobradas aos ingleses são menores do que as cobradas aos demais países, incluindo Portugal. Uma cláusula nunca foi cumprida: o fim do tráfico negreiros, gerando cobranças inglesas nas décadas seguintes (Lei Bill Aberdeen, dizia que, se o Brasil não acabasse com o tráfico em 5 anos, seria invadido) e o conseqüente fim do tráfico (Lei Euzébio de Queiróz). Tais tratados, no geral, causaram uma retração do processo manufatureiro do Brasil, já que compensava muito mais comprar os produtos ingleses do que produzir, com menos qualidade, e ter que vender - os lucros não eram altos o suficiente. Gerou dependência dos produtos manufaturados ingleses e descapitalização do Brasil (o dinheiro não ficava aqui: era investido nas manufaturas inglesas ou em empreendimentos industriais na Europa).

Para tentar igualar o nível cultural do Rio ao nível de Lisboa, Dom João trouxe também missões artísticas e científicas, as últimas sendo responsáveis pelo mapeamento do céu e do território brasileiros e das descobertas científicas propiciadas pela enorme biodiversidade do país. Trouxe espetáculos cênicos, exibidos no Teatro Municipal do Rio (também construído nessa época). Para a elite intelectualizada, vieram as Universidades de Direito e Medicina, juntamente com a imprensa régia.

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